Saúde Mental e Trabalho
Este espaço tem como principal meta convidar a todos para uma reflexão da condição de alienação a que todos nós estamos sempre nos submetendo. Não quero aqui dizer que deveremos superar todas as condições impostas pelo modelo de sociedade em que vivemos e nem que devemos quebrar com todos os tipos de uso do poder que perpassam as relações sociais. Apenas acredito que minutos de leituras e reflexões sobre os diversos segmentos da sociedade e a condição do homem nos vários contextos podem colocar em nossas almas intenções de mudanças. Sei que para uma transformação o principal elemento é o desejo, ou melhor, a percepção de que algo necessita ser mudado. Portanto, convido a todos que se embrenhem nessa leitura e reflitam sobre o próprio fazer no mundo do trabalho.
Este texto compõe uma palestra proferida no Seminário Nacional de Psicologia Crítica do Trabalho na Sociedade Contemporânea, e faz parte de uma publicação do Conselho Federal de Psicologia - Psicologia Crítica do Trabalho na Sociedade Contemporânea, Brasília, CFP, 2010. Para melhor visualização da postagem, o texto está dividido em partes, mas essa divisão não compõe a publicação original.
MESA - Saúde do trabalhador: dignidade e qualidade de vida no mundo do trabalho
Por Alvaro Roberto Crespo Merlo*
Parte I
Concordo com algumas afirmações da palestra anterior de Márcio Pochmann, mas, com outras, eu não concordo absolutamente, principalmente porque estamos em contato direto com pacientes/trabalhadores,no Serviço de Medicina Ocupacional/Ambulatório de Doenças do Trabalho do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Este é um serviço com muito fluxo de pacientes, com uma Residência em Medicina do Trabalho e com uma disciplina de graduação de Medicina (“Saúde do Trabalhador”), uma das poucas, no currículo dos cursos de Medicina do Brasil, em que estudantes de Medicina têm contato com doenças do trabalho. E os relatos que os pacientes nos trazem falam de uma realidade muito diferente. A professora Maria da Graça Jacques acompanhou-nos e chegamos a fazer alguns estudos em conjunto. E os relatos dos pacientes não falam exatamente desse mundo ideal que os economistas, os sociólogos do trabalho e os administradores enxergam.
Eu vou mostrar algumas fotografias. Não sei se vocês já viram esse tipo de imagem. Esse aqui é um trabalhador, e se vocês prestarem bem atenção, esse trabalhador tem uma linha escura junto da gengiva. O nome é Linha de Burton e isso interessa também para área da saúde mental. Isso é intoxicação por chumbo, intoxicação brutal por chumbo e ainda é muito comum encontrarmos na nossa realidade. Lá no Hospital de Clínicas de Porto Alegre temos trinta pessoas na fila para fazer a quelação, para usar EDTA, que é uma substância para tentar retirar o chumbo do sangue, para, a partir daí, tentar retirar o chumbo que está depositado em outros órgãos,como os ossos. A intoxicação por chumbo pode levar a dano neurológico, a perda de cognição. Se vocês falarem para um médico europeu que tem uma Linha de Burton aqui, ele é capaz de pegar um avião na mesma hora e vir correndo, porque ele não vê isso há uns 50 anos.
Isso é uma das coisas que em Medicina os alunos gostam de ver,pois é um sinal patognomônico. O sinal patognomônico é o que indica apenas uma patologia. Basta a presença do sinal para estabelecer o diagnóstico (neste caso poderia ser, também, uma intoxicação por bismuto, mas isso não se encontra na realidade brasileira). A Linha de Burton é,na prática, um sinal patognomônico de intoxicação por chumbo. Como é possível que no Brasil ainda se tenha Linhas de Burton? Era para ter acabado em 1915 ou 1920, mas ainda encontramos. Ele era trabalhador em uma fábrica de baterias de Gravataí, na periferia de Porto Alegre, uma cidade importante, uma cidade onde está instalada a General Motors. O trabalhador tinha uma doença da época da Revolução Industrial, do século XIX na Europa. Esse paciente tinha 43 anos. Ele baixou para fazer a quelação. Isso tem de ser feito por via intravenosa, no soro, com o paciente internado. Ele teve uma encefalopatia, parada respiratória, foi para a UTI, ficou três dias ali e morreu. E ele tinha 43 anos! Ele morreu em um domingo às seis da manhã. Quando eu conto essa história, eu ainda fico muito emocionado, pois os nossos pacientes costumam sofrer muito, mas eles não costumam morrer. Então, quando algum morre, ficamos muito chocados, isso é uma coisa impensável! Esse é o mundo do trabalho real. Esse é o mundo onde as pessoas estão colocadas. É só abrirmos as portas, abrirmos as janelas e olharmos.
Neste slide eu fiz uma brincadeira com a música do Chico Buarque,Bye Bye Brasil (No Tabaris/o som é que nem os Bee Gees/dancei com uma dona infeliz/que tem um tufão nos quadris/mas a ligação está no fim/tem um japonês atrás de mim...). Quando mostro essa frase hoje em dia, as pessoas já nem sabem mais, é só a geração antiga que conhece essa música. O Chico dizia que na Amazônia, lá nos anos 70, os japoneses estavam chegando para pegar Carajás (extração de minério de ferro). Então, tinha sempre um japonês atrás de alguém. E hoje é a mesma coisa, esse “japonês” pode ser de qualquer origem, qualquer cor. É o consultor. É a lógica de que hoje é necessário às empresas se adaptar a um modelo que foi construído em outro lugar. Para poder vender, para poder se colocar no mercado de forma competitiva.
Parte III
Eu vou, ainda, chamar a atenção para dois aspectos que, para mim,são importantes nessa temática. Um é o aumento da intensificação do trabalho e o outro é a individualização das avaliações de produtividade. Esses novos métodos trabalham muito com essas duas referências e isso acaba sendo muito complicado para a saúde mental das pessoas. Isto é, hoje, a principal fonte do sofrimento psíquico, que não são as patologias provocadas pelo trabalho, que se originam, essencialmente, na organização propriamente dita do trabalho. As agressões à saúde mental provocadas pelas organizações do trabalho não costumam provocar surtos psicóticos. Aquele exemplo que a professora Graça comentou aqui do filme “Os Tempos Modernos”, felizmente, não acontece frequentemente no mundo real.
A minha abordagem parte do ponto de vista da Psicodinâmica do Trabalho (DEJOURS, 1992; MERLO, 2002), para a qual o trabalho pode provocar enorme sofrimento, que pode levar, eventualmente, a patologias físicas ou psíquicas, como as Lesões por Esforços Repetitivos (LER). As LER estão muito ligadas ao que é chamado de cerceamento na atividade de trabalho. Isso ocorre porque o trabalhador tem o seu trabalho predefinido, controlado e cerceado, o que vai impedir que ele possa adaptar esse trabalho a si mesmo, ter um espaço entre o prescrito e o real. O trabalho é sempre o encontro de uma história singular com uma organização de trabalho que é predefinida, que é predeterminada. Nós, por exemplo, escolhemos uma boa parte da nossa história. Nós escolhemos a nossa profissão, mas a grande maioria dos trabalhadores, os trabalhadores do calçado, cujo exemplo dei anteriormente, não. São, em geral, mulheres que vêm do meio rural e que vão trabalhar porque nessa indústria o irmão delas já foi antes, porque a tia foi antes. Elas não têm nenhuma escolha. Então, vai ser essa história singular, que é uma história rural, que vai se encontrar com uma organização do trabalho, com uma esteira de produção, com uma velocidade absurdamente excessiva, na qual a pessoa só tem de fazer execução e onde ela não pode pensar no seu trabalho.O resultado disso vai ser muito variável de pessoa para pessoa, mas, em geral, é um resultado complicado e danoso. O sofrimento psíquico costuma estar nesse espaço do infrapatológico, quer dizer, ele não tem um diagnóstico, ele não tem uma classificação, ele não está colocado como uma patologia, ele é invisível. E esse é o grande problema, essa é a grande agressão, que na maior parte das vezes, passa invisível. Ela passa como se nada fosse, ela passa como fazendo parte do trabalho.
Vou chamar a atenção de vocês para um conceito que a Psicodinâmica do Trabalho usa, que foi produzido por Hannah Arendt**. Ela foi uma filósofa alemã que migrou para os Estados Unidos em 1939. Ela construiu o conceito de banalidade do mal na última página do livro Eichmann em Jerusalém (ARENDT, 1999). Ela foi enviada para fazer o acompanhamento e a cobertura de imprensa do julgamento de Adolf Eichmann, que era um tenente-coronel da SS que organizou a logística para o extermínio de judeus, ciganos, testemunhas de Jeová, entre outros, na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial. Ele foi responsabilizado por oito milhões e meio de assassinatos. Ele era a pessoa que ia de país em país para planejar as prisões, o fluxo dos trens, etc. Ele passou despercebido no final da guerra. Seu nome foi lembrado apenas nos julgamentos de Nuremberg, em 1946, quando uma das testemunhas, com a intenção de reduzir sua responsabilidade, disse: “Não, mas tem um indivíduo pior que nós, essa pessoa se chama Adolf Eichmann”. A partir daí ele começou a ser identificado. Ele tinha escapado para a Argentina e, em 1960, os israelenses o localizaram. Um sobrevivente de campo de concentração, que estava caminhando em uma rua no centro de Buenos Aires, o vê caminhando no meio da outra calçada. Ele contata a embaixada israelense e, após um tempo, os israelenses o sequestram e o levam para julgar em Jerusalém. Nesse momento as pessoas ficam diante de alguém que elas consideravam um monstro. Mas o que elas encontram é uma pessoa banal, um cara comum, um bom pai de família. Não era ninguém especial. Então,Hannah Arendt, vai tentar explicar esse paradoxo, construindo o conceito de banalidade do mal23. Ela vai dizer que, na verdade, não existem tanto psicopatas assim para fazer o “trabalho sujo”, que tinha de ser feito, por exemplo, durante a Segunda Guerra Mundial. Da mesma maneira,não existem tantos psicopatas que possam fazer os “trabalhos sujos” que têm de ser feitos hoje. Esse conceito vai ser reapropriado por Christophe Dejours no livro A banalização da injustiça social, para tentar compreender as relações atuais nos ambientes de trabalho. Assim, para esse autor,vive-se hoje um processo de banalização do mal dentro dos ambientes do trabalho, onde se criam exigências novas e se perdem os antigos laços de solidariedade.
Parte IV
Podemos indicar dois exemplos da banalização do mal no trabalho atual: o caso da montadora Renault e o da France Télécom. A Renault tem um centro de pesquisa em Guyancourt, na periferia de Paris, chamado de Technocentre, que é o sonho de trabalho para 11.500 trabalhadores ou um pesadelo. Esse centro foi criado por uma pessoa que nasceu no Brasil, em Porto Velho, Carlos Ghosn. Ele é de origem libanesa e a família acabou voltando para o Líbano. Ele fez sua formação na École Polytechnique, em Paris, que é a grande escola de Engenharia. Criaram um ambiente de trabalho cheio de iluminação, parece que estão na praia. É tudo alta tecnologia. Eles projetam neste local tudo que será feito nas montadoras da Renault pelo mundo, inclusive nas linhas de montagem, na configuração da robótica, etc. Tudo é feito aí, por esses trabalhadores e depois levado para outros lugares. Algo de última geração. Trabalhadores cheios de canetinhas, mangas de camisa, jovens criando. O problema é que o Carlos Ghosn exagerou na dose e alguns trabalhadores começaram a ir para as janelas do Technocentre e se jogar no meio do público. Suicidaram-se cinco engenheiros, porque eles não suportaram a pressão da produtividade. Foram cinco suicídios reconhecidos pela previdência francesa (Caisse Primaire d’Assurance Maladie), como doenças provocadas pelo trabalho, como suicídios provocados pelo trabalho. E pelo próprio presidente da Renault em entrevista à imprensa. Isso causou um grande escândalo e quase que o Carlos perdeu o emprego.
Temos, ainda, a história da France Télécom, que é o escândalo atualna França. Nesse caso, foram muito mais pessoas que se suicidaram. Houve 32 suicídios e vários aconteceram no próprio local de trabalho.Uma pessoa se jogou na calçada, em frente ao prédio em que trabalhava. Há uma cena terrível de uma mulher que se joga na rua, os colegas de trabalho descem e a mulher, ainda viva, fica na calçada agonizando, entre eles. As pessoas assistem àquilo durante um bom tempo, até que a mulher morre. Há um outro que se esfaqueia durante uma reunião de trabalho. Essa empresa foi privatizada em 2004 e virou um pandemônio,com 60.000 funcionários estáveis e que, portanto, não podiam ser demitidos. Fiz um dossiê em 166 páginas, na qual peguei todas as notícias que saíram no jornal Libération sobre essa questão e as traduzi para os meus alunos. Se vocês tiverem interesse, eu posso enviar a todos, basta me solicitar por e-mail (merlo@ufrgs.br). É muito interessante ver como a coisa vai evoluindo a ponto de, nesse momento, a empresa ter reconhecido esses suicídios como relacionados ao trabalho. É uma discussão que, aparentemente, no Brasil não existe. Mas que deve estar acontecendo,deve estar escondida, deve estar invisível.
Parte V
Há um vídeo sobre o trabalho em frigorífico de frangos, um trabalho que vem sendo feito pelo Ministério do Trabalho para embasar ações regressivas da Previdência Social (o vídeo foi exibido). Está sendo usada uma combinação de métodos de pesquisa. Estamos usando grupos com base na Psicodinâmica do Trabalho, o professor Cláudio Hutz (PPGP-UFRGS)usou a Escala Fatorial de Neuroticismo e, também, tem uma parte em que está sendo usada a ergonomia. Não é um estudo que vai redundar em uma dissertação, em uma tese, tem um objetivo absolutamente prático. Está sendo feito entre a Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, o Programa de Psicologia Social e Institucional da UFRGS e o Programa de Psicologia da UFRGS.
A exibição do vídeo é apenas para mostrar a situação do trabalho dessas pessoas, só para vermos um pouco o que é o trabalho real. Essa empresa vende frangos, por exemplo, para a Arábia Saudita. A linha de montagem tem de ser voltada para Meca e todo o trabalho dessas pessoas tem de ser manual, não pode ter trabalho mecânico. É uma atividade sem nenhum espaço de tempo, sem nenhum “poro”. Tudo é feito a dez graus de temperatura, em uma grande câmara frigorífica. Eles ficam oito horas por dia neste tipo de atividade. O espaço entre um posto de trabalho e o outro é de
Parte VI
Para finalizar, gostaria de dizer que trago um olhar externo à Psicologia.Vejo a Psicologia a partir de fora, apesar do meu contato, já há mais de 10 anos, com o Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que é um contato muito intenso. Mas mesmo assim eu ainda olho “de fora”. Os psicólogos do trabalho em uma empresa têm uma situação que é semelhante à dos outros técnicos, como o engenheiro de segurança, o técnico de segurança, o médico do trabalho, quer dizer, são todos assalariados da empresa, com uma série de constrangimentos, se podemos usar a palavra,com limitações. Mas isso varia muito de empresa para empresa. Não é o “fim do mundo” trabalhar dentro de uma empresa privada. Muitas empresas privadas, por exemplo, trazem políticas de saúde no trabalho “de fora”, que, muitas vezes, são políticas melhores que as praticadas aqui no Brasil,que não estão interessadas que seus trabalhadores fiquem se afastando, por exemplo, por Lesões por Esforços Repetitivos, porque isso significaria contratar e treinar outra pessoa. Então, existe uma variabilidade muito grande entre as empresas. Tudo que mexe com o ritmo da produção é complicado, tudo é visto como custo. A situação do médico do trabalho é a mesma. O trabalhador precisa ter equipamento de proteção individual para não ficar surdo. “Ah! Mas é custo!” “Quanto que isso vai dar de custo?” “Não sei, vamos ter de calcular.” E o técnico tem de enfrentar uma luta interna; tem de haver uma disputa interna na empresa para justificar aquilo ali como benefício. A situação do psicólogo é mesma. Há empresas que são autoritárias, que têm chefes de recursos humanos que são assediadores morais e organizacionais, e há outras empresas que não são assim, onde existe um bom espaço de trabalho. Certamente vocês todos conhecem exemplos dos dois tipos, talvez até melhor do que eu. Esse vídeo sobre o trabalho em uma indústria de frango, que eu mostrei para vocês, foi feito pela fiscalização do Ministério do Trabalho, por um psicólogo.É o primeiro psicólogo trabalhando na fiscalização, tanto quanto eu sei, no Brasil, e que foi lotado em uma cidade do Rio Grande do Sul,que se chama Uruguaiana. Ele conseguiu ir para Porto Alegre e está começando a introduzir essa discussão sobre saúde mental no trabalho, dentro do Ministério do Trabalho, que nunca tinha sido feita. É importante ter a Psicologia no Ministério do Trabalho. Os concursos hoje estão abertos para todas as categorias, não existe mais a restrição que havia anteriormente. Hoje, qualquer profissional de nível superior pode fazer o concurso. É um concurso difícil, são milhares de pessoas que fazem, mas é um espaço importante, porque, atualmente, fiscalização dos ambientes de trabalho, praticamente, não leva em consideração os aspectos relacionados à saúde mental do trabalho. E só quem pode trazer isso são os psicólogos. Os psiquiatras têm outro tipo de formação e outro olhar. São pessoas interessantes, pessoas com quem devemos trabalhar, evidentemente, mas que têm uma outra abordagem, têm outra visão. Uma visão que tenta identificar patologias e colocar um CID. A Psicologia tem outra abordagem e uma contribuição, nessa discussão, que é muito importante. A Psicologia, com algumas exceções, ainda não teve condições de ocupar determinados espaços, que ela poderia ocupar. Ela tem uma discussão para trazer, que se não for ela a trazer, ninguém o fará.
Existem, ainda, alguns aspectos que eu gostaria de trazer. O primeiro é de que o Estado brasileiro tem de estar mais presente. Às vezes, quando fazemos essa discussão, parece que estamos falando de uma abstração, que estamos em Marte, que estamos em algum outro lugar. Temos um Estado no Brasil, hoje, que construiu alianças que são identificadas com os trabalhadores. Então, há uma responsabilidade desse Estado, que não devemos esquecer nessa discussão. O protagonista importante que é o Estado. E ele tem de cumprir o seu papel. Quando estávamos nos tempos do regime militar, no meio da ditadura, a crítica à omissão do Estado era sempre colocada. Hoje se discutem essas questões de saúde e trabalho como se Estado não tivesse nada a ver com isso. E, no entanto, o Estado tem uma enorme responsabilidade, um enorme poder sobre as condições dos ambientes de trabalho. Da mesma forma, com referência às centrais sindicais. No Brasil vivemos uma situação muito complicada. Na França as pessoas foram para a rua devido à epidemia de suicídios na France Télécom, com o apoio de todas as centrais sindicais. E pararam os suicídios. As centrais sindicais “compraram a briga”, se unificaram e fizeram passeatas e caminhadas na rua para enfrentar isso. Aqui no Brasil as centrais sumiram e os trabalhadores estão sozinhos. Eles estão avulsos, eles estão expostos, tendo de resolver seus problemas por sua própria conta e risco. Aqueles trabalhadores da indústria do frango, que eu relatei anteriormente, felizmente têm um sindicato que é combatívo. Mas aquelas centrais sindicais que se criaram a partir dos anos 80, onde é que elas estão hoje? Qual é o enfrentamento que elas estão fazendo hoje? Onde foram parar os discursos dos anos 60 e 70 do século XX, que lembravam da enorme dívida social ante as condições de vida e trabalho da classe trabalhadora deste país? Não me parece que essa dívida tenha sido paga. O trabalhador, do ponto de vista da sua saúde, está completamente avulso, está completamente vulnerável. E ele adoece. Ele adoece e morre. É isso que acontece, se se perdem os laços de solidariedade.
** Hanna Arendt terá como referência, sem o citar, o trabalho monumental de Raul Hilberg, sobre o extermínio dos judeus na Europa, este sim, o grande historiador do Holocausto (HILBERG, 2006).
Referências
ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras,1999.
DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho.5. ed ampl. São Paulo: Cortez-Oboré, 1992.
______. A banalização da injustiça social. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.
HILBERG. R. La destruction des juifs d’Europe. Ed. Gallimard, 2006,2400p.
MERLO, A. R. C. Psicodinâmica do trabalho. In: JACQUES, M. G.; CODO, W. Saúde mental e trabalho: leituras. Petrópolis: Vozes, 2002. p.130-142.
SENNETT, R. A corrosão do caráter: Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.
Texto - Saúde do trabalhador: dignidade e qualidade de vida no mundo do trabalho
A publicação traz as palestras do Seminário Nacional Psicologia Crítica do Trabalho na Sociedade Contemporânea, no qual foram tratadas questões das relações entre Psicologia e o mundo do trabalho, tais como a saúde do trabalhador, as relações sindicais, as formas solidárias de trabalho, o sofrimento causado pelo desemprego. São temas que apenas recentemente são identificados como demandas para a Psicologia e que ainda carecem de maior sistematização.
Imagem retirada da internet: Saúde Mental (A imagem não faz parte da publicação original)
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