segunda-feira, 19 de abril de 2010

Pela liberdade e autonomia


Hoje estive pensando de que forma poderíamos trabalhar alguns temas aqui neste espaço, como por exemplo, o quanto estamos em constante luta contra a nossa própria condição de sermos sócio-historicamente constituídos.

Tendemos a nos reconhecer como sujeitos livres e autônomos, no entanto essa concepção foge ao escopo do que seria a verdadeira liberdade e autonomia daqueles que se constituem pela sua existência social e histórica: nós os humanos.

A nós, como seres sociais, não nos confere mais do que a capacidade de construir a nossa história ou a história de nossa sociedade a partir das interações sociais que compõem o nosso existir. No entanto, nos enganamos ou muitas vezes nos colocamos como vítimas de um processo que foi e está sendo construído por nós mesmos: desigualdades sociais, má distribuição de renda, violência etc.

Trago aqui apenas uma reflexão a todos nós, os humanos: como temos participado da construção de nossa sociedade? Qual é o sentido de nosso conhecimento, de nossos estudos e de nosso trabalho? Que liberdade e autonomia estamos exercendo: aquela de individualização do ser e de busca de uma autonomia que nos garanta o nosso lugar ao sol? Ou aquela de individuação do ser (retomando aqui as reflexões de Adorno), cuja liberdade e autonomia estão atreladas a uma universalidade que extrapola o indivíduo e que se constitui como autonomia de pensamento e não mera reprodução da capacidade de se cuidar e/ou se manter nessa sociedade tão competitiva.

Com essas reflexões podemos tentar compreender qual é o curso de nossa existência, se nos deixamos levar pelo correr natural do rio, ou se utilizamos os remos como ferramenta de superação de uma situação imposta.

Cabe aqui refletir sobre as próprias políticas públicas: o que temos feito nesse sentido? Como temos avaliado algumas políticas de inclusão como, por exemplo, as diretrizes do SINASE (que traz orientações a respeito do sistema socioeducativo aos adolescentes em conflito com a lei) ou mesmo a politica nacional de saúde mental (que regulamenta a atenção à saúde das pessoas em sofrimento psíquico, prevendo a liberdade e o direito de participação na comunidade).

Sei que o debate é amplo e que há muita divergência entre os diversos segmentos sociais, sei também que não conseguiremos consenso, mas proponho aqui apenas uma reflexão: o que é a liberdade para nós? Que liberdade estamos retirando quando colocamo atrás das grades o adolescente autores de ato infracional e os loucos, trancafiados em manicômios?

Não tenho a pretensão de encontrar respostas para tais questionamentos, e muito menos de defender uma idéia pronta, mas apenas de criar em nós uma inquietação e desestabilização, pois é com a instabilidade que construímos mudanças. É a partir da instabilidade do curso do rio que poderemos retomar os remos de nossa história. Ninguém muda aquilo que está bom ou que não incomoda. Já viu o ditado: em time que está ganhando não se mexe? Pois então, ele não é mais do que a própria acomodação e reprodução do homem às condições sociais impostas.

Para terminar as reflexões de hoje, ou melhor, para continuarmos refletindo, trago aqui a música de Chico Buarque, pois embora não estejamos mais em plena ditadura, na maioria das vezes continuamos calados:


Cálice

Pai, afasta de mim este cálice
Pai, afasta de mim este cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga?
Tragar a dor engolir a labuta?
Mesma calada a boca resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira tanta força bruta
Pai, afasta de mim este cálice
Pai, afasta de mim este cálice
De vinho tinto de sangue
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Pai, afasta de mim este cálice
Pai, afasta de mim este cálice
De vinho tinto de sangue
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Pai, afasta de mim este cálice
Pai, afasta de mim este cálice
De vinho tinto de sangue
Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo disel
Me embriagar até que alguém me esqueça.


Imagem retirada da Internet: calado

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